sexta-feira, 25 de julho de 2008

Após tremor, China compra silêncio dos envolvidos

Ruínas da escola de ensno médio de Hanwang


Cerca de 240 estudantes morreram em Hanwang durante o terremoto do dia 12 de maio

Yu Tingyun segura um retrato de sua filha, Yang, em frente às ruínas da escola de Hanwang

Um oficial apareceu na vila atrás de Yu Tingyun em uma noite da semana passada. Ele pediu que Yu entrasse em seu carro, e carregava consigo um contrato e uma caneta.

A filha de Yu morreu soterrada por concretos e tijolos na escola em que estudava, sendo uma das 240 vítimas do terremoto de 12 de maio. Yu se tornou líder dos pais das vítimas e exigia saber se a escola, como tantas outras, desmoronou devido a condições precárias da construção.
O contrato já tinha sido empurrado a Yu durante um longo interrogatório policial no dia anterior. Em troca de seu silêncio e testemunho de que o Partido Comunista no poder "mobilizou a sociedade para nos ajudar," ele receberia uma compensação em dinheiro e uma pensão.
Yu, um motorista de 42 anos, resistiu à primeira oferta. Mas dessa vez, ele pegou a caneta. "Quando vi que a maioria dos pais tinha assinado, também resolvi assinar," Yu disse mansamente. Ele carrega na mochila o retrato de sua filha, Yang.
O governo local da província de Sichuan, devastada pelo terremoto, iniciou uma campanha para comprar o silêncio dos pais revoltados que perderam seus filhos na tragédia, segundo entrevistas feitas com mais de uma dúzia de pais de quatro escolas destruídas. Segundo os pais, as autoridades fazem ameaças, dizendo que eles não ganharão nada se não assinarem o contrato.
As autoridades chinesas prometeram uma nova era de abertura após o terremoto e nos meses que antecedem os Jogos Olímpicos, que começam em agosto. Mas a pressão sobre as famílias das vítimas mostra que as autoridades estão mais empenhadas em criar uma fachada de harmonia pública do que em investigar com seriedade as alegações de que irregularidades na construção das escolas tenham contribuído para um maior número de mortes no terremoto.
Oficiais batem nas casas dos pais das vítimas dia e noite. A determinação em empurrar o acordo é tanta que o prefeito chegou a pagar pela passagem de avião de uma mãe que havia deixado a província, para que ela retornasse e assinasse o contrato.
O valor da compensação varia de escola para escola, mas sem grandes disparidades. Pais em Hanwang dizem que receberam ofertas equivalentes a US$8.800 em dinheiro, mais uma pensão de quase US$5.600 para cada pai e mãe.
Com uma generosa receita de impostos, após duas décadas de grande crescimento econômico, a China tem usado seu músculo financeiro para transformar Pequim e Xangai em vitrines arquitetônicas e abrir portas diplomáticas na África e América Latina. Em algumas ocasiões, o Estado de um partido só age como uma multinacional que enfrenta um processo pelos danos causados por seu produto, oferecendo dinheiro às pessoas prejudicadas na esperança de amenizar protestos públicos. O governo supõe que a maioria das pessoas acaba priorizando o lucro em detrimento dos princípios.
A tática parece funcionar, inclusive nos casos das escolas destruídas. Muitos pais dizem ter assinado o contrato, mesmo insatisfeitos com os termos e revoltados com a falta de investigação. "Muitos dos pais estão cansados," disse Liu Guanyuan, 44 anos, que perdeu um filho de 17 anos no desmoronamento da escola Dongqi, onde a filha de Yu também estudava. "Existe um ditado chinês: as pessoas processam o governo, e o governo não dá importância."
Agentes oficiais também estão usando armas mais tradicionais para impor seu autoritarismo: policiais da tropa de choque dissiparam protestos de pais; autoridades colocaram cordões de isolamento em volta das escolas; e oficiais ordenaram o encerramento das reportagens sobre o desmoronamento das escolas à mídia chinesa. Huang Qi, um defensor dos direitos humanos que tentava ajudar os pais, foi preso.
Líderes do governo local prometeram repetidamente que encontrariam a causa do espantoso desmoronamento de 7.000 salas de aula durante o terremoto, que matou 10.000 jovens e crianças. Mas parece que as investigações não passaram de análises superficiais, e há indícios de acobertamento de evidências. Embora as negociações com alguns pais continuem, os governos locais limparam os terrenos de diversas escolas, impossibilitando a condução de uma investigação completa.
A questão continua sendo uma das mais delicadas que o governo chinês já enfrentou. Muitos pais acusam autoridades locais de negligência e corrupção durante a construção das escolas. Alguns esperam que o governo central tome medidas e planejam ir até Pequim para dar entrada em petições após os Jogos Olímpicos. "Não queremos criar problemas ao governo antes das Olimpíadas," Yu disse. "Não queremos prejudicar a imagem do país."
Yu estava entre o grupo de 11 pais e parentes de vítimas da escola Dongqi que se encontrou com um repórter na segunda-feira em uma casa de chá, onde homens sem camisa jogavam mahjong. Eles disseram que estão dispostos a falar com jornalistas na esperança de chamar a atenção do governo central.
Na semana passada, Yu e outros dez pais foram detidos pela polícia durante um protesto. Ele disse ter sido interrogado na delegacia da cidade de Deyang por 12 horas, enquanto os outros pais, incluindo uma mulher grávida, sofreram maus tratos. Uma das mulheres, Huang Lianfen, disse, "O governo local nos ameaçou com surras ou punições."
Huang, 33 anos, gerente de uma fábrica, é tia de um rapaz de 18 anos que morreu no desmoronamento de Dongqi. Huang disse que seu irmão, pai do rapaz morto, foi detido pela polícia na semana passada e ainda se recusa a assinar o contrato. "Não pedimos apenas compensações, mas sim justiça," ela disse.
Na segunda-feira, o vice-prefeito de Deyang, Zhang Jinming, se encontrou com os pais de Hanwang para apresentar a conclusão da investigação governamental. A escola desmoronou devido unicamente ao terremoto, disse o vice-prefeito. Ele então afirmou que o caso estava encerrado.
Escritórios do governo na província de Sichuan e em Deyang ignoraram as ligações dos repórteres requisitando declarações. Uma mulher que atendeu ao telefone na central de polícia de Deyang disse que não estava ciente do protesto e das detenções ocorridas na semana passada.
O jornal The New York Times obteve uma cópia do contrato de compensação oferecido aos pais das vítimas de Hanwang. O contrato é redigido como se os pais estivessem pedindo dinheiro a um governante bem-feitor.
"De agora em diante, sob a liderança do partido e do governo, nós obedeceremos à lei e manteremos a ordem social," dizia o contrato. "Prometemos de maneira resoluta não participar de qualquer atividade que perturbe as reconstruções pós-terremoto."
Outra parte do contrato faz grandes elogios ao Partido Comunista: "Desastres naturais são cruéis, mas o mundo está cheio de amor. O partido e o governo estenderam suas mãos e mobilizaram a sociedade a nos ajudar e a aliviar nosso sofrimento. Por isso, agradecemos sinceramente a ajuda e os cuidados do partido, governo e sociedade!"
O contrato não menciona o valor do pagamento, discutido apenas verbalmente com os oficiais, dizem os pais. Ye Liangfu, pai de uma das vítimas, disse que era injusto que pais de escolas do ensino médio não recebessem mais que pais de crianças mais novas que morreram no terremoto. "Os pais de crianças que estavam no jardim de infância são jovens e ainda podem ter outro filho," ele disse.

Fonte:http://noticias.terra.com.br/mundo/interna/0,,OI3027423-EI10495,00.html

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